OS IMPACTOS DA PANDEMIA COVID-19 NAS RELAÇÕES CÍVEIS, EMPRESARIAIS E DE CONSUMO.

Como se sabe, a pandemia COVID-19 está presente no cenário mundial desde novembro de 2019 e já se estendeu por todo o território nacional.

Em 11 de Março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou o surto do coronavírus como uma pandemia global e, por tal razão, foram implementadas em todo território nacional medidas de precaução da difusão do vírus, impactando, assim, em diversos setores da economia e nas relações cíveis e comerciais.

Desta forma, importante analisar o que nos diz a legislação brasileira diante de eventos imprevisíveis como a COVID-19, verificando a aplicação dos institutos da força maior e teoria da imprevisão nas relações jurídicas.

Com relação ao instituo da força maior, o art. 393 do Código Civil assim dispõe:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Em linhas gerais, para que o evento seja considerado como caso fortuito ou força maior, o necessário que o fato esteja acima das forças humanas, que seja inevitável. E é justamente o caso da COVID-19, uma vez que o fato é inevitável, extraordinário e imprevisível, fora do alcance humano, sem qualquer contribuição da parte para a realização deste evento, impossibilitando-a, assim, de cumprir com a sua obrigação.

A ocorrência de caso fortuito ou força maior trata-se de uma excludente de responsabilidade da obrigação e, para que seja aplicada, é necessário que haja um impedimento real e comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento da obrigação contratualmente assumida e não um pretexto genérico. Ressalta-se, aqui, que deverá ser comprovado o impedimento da obrigação em razão dos impactos da pandemia da COVID-19, não podendo a obrigação ser descumprida sob pretexto de fatos pretéritos.

Além disso, deverá considerar a data de celebração do contrato, pois, se firmado no momento em que já se sabia sobre evento de força maior, como a pandemia da COVID-19, não haverá o requisito de imprevisibilidade, razão pela qual a parte também não poderá se valer da excludente de responsabilidade.

Assim, comprovado todos os requisitos e demonstrado que o devedor ficou impossibilitado de cumprir com sua obrigação, este não responderá pelos prejuízos resultantes, uma vez ocorreram em razão da força maior.

Importante destacar, por fim, que não será aplicada a teoria da força maior quando no contrato firmado entre as partes possuir cláusula prevendo que, mesmo na ocorrência de fatos de força maior, o devedor assume inteiramente a obrigação e os riscos, razão pela qual não poderá se valer da excludente de responsabilidade prevista no art. 393 do Código Civil.

Nesse sentido, uma vez demonstrado que o devedor restou impossibilitado de cumprir com a obrigação, não arcando com os prejuízos resultantes da força maior, e que não há previsão contratual sobre a responsabilidade por eventos de força maior, o contrato poderá ser encerrado, ou ainda, se demonstrada que a obrigação poderá ser satisfeita em momento posterior, o contrato poderá ser suspenso até o fim dos efeitos da força maior.

Cumpre enfatizar que para a aplicação do art. 393, é necessária a análise de cada caso concreto, verificando se há nexo causal entre a impossibilidade do cumprimento da obrigação e a ocorrência da força maior.

Já com relação à teoria da imprevisão, necessária uma breve explicação sobre a dinâmica dos contratos cíveis e empresariais.

O Código Civil determina em seus artigos 421 e 421-A, a liberdade econômica nas relações contratuais. Em síntese, determina que tal liberdade será exercida nos limites da função social do contrato, prevalecendo nas relações privadas o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Além disso, também determina que os contratos civis e empresariais serão paritários e simétricos e, apenas com a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento de tais características é que poderão, de forma excepcional e limitada, realizar a revisão contratual.

Pois bem. No caso atual da pandemia da COVID-19, encontram-se os requisitos necessários para a revisão contratual, que estão previstos no artigo 478, 479 e 480 do Código Civil.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Referida artigo dispõe que, nos contratos de execução continuada, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, admite-se a resolução do contrato.

Para que isso ocorra, necessário observar os seguintes requisitos: a) vigência de um contrato de duração; b) ocorrência de fato extraordinário e imprevisível, que surgiu após o aperfeiçoamento do negócio; c) considerável alteração da situação de fato existente no momento da execução; d) nexo causal entre o evento superveniente e a consequente excessiva onerosidade.

Além disso, para que seja aplicado tal instituto, é necessário que a onerosidade excessiva gere grande desequilíbrio contratual entre as partes, causando evidente posição desvantajosa para uma das partes.

Assim, caso reste demonstrado todos os requisitos acima mencionados, comprovando o desequilíbrio contratual entre as partes, é possível a aplicação do art. 478 do Código Civil para que o contrato seja encerrado.

Contudo, na tentativa de se evitar a resolução contratual, o art. 479 do Código Civil prevê que a parte contrária possa oferecer-se para modificar equitativamente o contrato. 

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Esse artigo permite que a parte contrária possa, considerando que lhe é mais vantajoso manter o contrato, restabelecendo o equilíbrio econômico, oferecer-se para modificar equitativamente as suas condições. Permite-se, portanto, dar solução diversa ao problema da onerosidade excessiva, por iniciativa de uma das partes, inibindo a resolução do contrato prevista no art. 478 do Código Civil.

Por fim, o art. 480 do Código Civil prevê, em caso de obrigações unilaterais, que a parte prejudicada pleiteie a redução do montante devido, ou, ainda, a alteração do modo como deve ser efetuado o pagamento, evitando, assim, a resolução do contrato por excesso oneroso.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Referido artigo permite que, mesmo não existindo a figura do sinalagma, o único contratante que assumiu obrigações possa requerer redução de sua prestação, com o restabelecimento de equilíbrio contratual.

Como se nota, referidos institutos jurídicos possibilitam as partes possíveis saídas para as obrigações contratadas, permitindo a renegociação e restabelecendo o equilíbrio econômico, ajustando as condições contratuais e, em último caso, permitindo a resolução do contrato, se restar demonstrada a onerosidade excessiva.

Por fim, outro ponto que merece destaque se refere às relações consumeristas, regida pelo Código de Defesa do Consumidor.

O art. 4º, I, do CDC impõe o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, haja vista que o consumidor está em evidente posição de desequilíbrio na relação contratual.

O art. 6º, por sua vez, determina quais são os direitos básicos do consumidor, dentre os quais temos o direito a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

O Código de Defesa do Consumidor, portanto, garante ao consumidor a revisão e modificação de cláusulas em se tornem excessivamente onerosas com a ocorrência de fatos imprevisíveis, tais como o da pandemia da COVID-19, protegendo, assim, o consumidor contra qualquer cláusula abusiva que o prejudique, tendo em vista ser parte mais vulnerável na relação de consumo.

Importante destacar, também, que é dever do fornecedor garantir todos os meios possíveis de acesso à informação e à comunicação entre as partes (art. 6º, III, CDC), seja por telefone, e-mail, site, permitindo, assim, ao consumidor a possibilidade de pleitear a revisão ou alteração na relação consumerista em casos que a relação se torne excessivamente onerosa em razão de fatos supervenientes.

Nota-se, portanto, que a teoria da força maior e da imprevisão, bem como a previsão do Código de Defesa do Consumidor, tratam-se de possíveis medidas que podem ser adotadas para determinadas situações, a fim de diminuir os impactos causados pela pandemia COVID-19, verificando cada caso em questão e analisando se se encaixam nos requisitos previstos na legislação brasileira.

Em caso de dúvidas, consulte sempre um advogado.

Texto por Carolina de Cássia Avi, sócia atuante na área cível e tributária do escritório Ferri Bernardino Advogados, pós-graduanda Direito Tributário pela Faculdade Pontifícia Universidade Católica de Campinas-SP.