As formas de extinção dos contratos de trabalho em decorrência da pandemia COVID-19

Considerando a pandemia Covid-19 que, além de estar presente no cenário mundial desde o final do ano de 2019, também já se estende por todo território nacional com a caraterística de transmissão comunitária;

Considerando o estado de calamidade pública reconhecido pela Lei no 13.979, pelo Decreto federal no 10.282, de 20 de março de 2020, com a extrema necessidade de redobrar os cuidados com higiene pessoal a fim de preservar a saúde e, principalmente evitar a proliferação do vírus, bem como, a exigência de isolamento social, ou seja, impossibilidade de deslocamentos entre residência e local de trabalho;

Considerando, ainda, a publicação da Medida Provisória 927/2020, Decreto Municipal de Campinas no 20.782 de 21/03/2020 e Decreto Municipal No 20.789 de 24 de março de 2020; Decreto Estadual no 64.881, de 22 de março de 2020, e, ainda, a Portaria MS no 188, de 3 de fevereiro de 2020 do Ministério da Saúde; bem como, o disposto nos artigos 486, 501 e 503 da CLT, tem-se que está comprovadamente decretado o estado de calamidade pública por todos os órgãos, federal, estadual e municipal.

Assim, com a determinação de paralisação de inúmeras atividades por período incerto, haja vista que a pandemia está no auge, as relações de trabalhado foram drasticamente afetadas. Algumas empresas conseguiram conceder gozo de férias coletivas, ou ainda, fizeram banco de horas, de forma a assumir todo o risco do negócio, visando a manutenção dos contratos de trabalho.

Contudo, as empresas de pequeno porte e microempresas, infelizmente, na grande maioria, não terão disponibilidade financeira para tal suspensão das atividades, razão pela qual foram obrigadas à rescindir com os contratos de trabalhos de grande parte dos funcionários, ou ainda, da totalidade, encerrando suas atividades.

Diante do caos instaurado, os empresários se veem diante de inúmeras dúvidas e incertezas, principalmente de como conseguirão honrar as obrigações trabalhistas, buscando, incessantemente, encontrar maneiras, éticas e legais, para que todos os funcionários receberam corretamente seus direitos.

Logo, para àqueles que, infelizmente, após analisarem seus rendimentos e provisionamentos, foram obrigados à optar pela rescisão dos contratos de trabalho, importante destacar que para adimplemento das obrigações trabalhistas há algumas alternativas, senão, vejamos:

1) ACORDO EXTRAJUDICIAL:

Como dispõe o artigo 855-B da CLT, as partes poderão transigir os direitos trabalhistas decorrente da relação contratual.

Assim, para os casos em que não restou alternativa senão a rescisão contratual, de uma forma mais conservadora e sem riscos, sugere-se a utilização do ACORDO EXTRAJUDICIAL, que, após devidamente homologado pelo Judiciário, será totalmente válido, permitindo a extinção do contrato de trabalho, com pagamento parcelado e liberação do FGTS e Seguro Desemprego para os que cumprirem os requisitos.

Para validade deste acordo extrajudicial será necessário que cada parte constitua advogado de sua confiança, sendo que ambas farão a minuta de acordo, obedecendo os interesses de cada cliente, e, assim, alcançado a composição amigável.

Importante ressaltar que o valor envolvido nesta negociação jamais poderá ser inferior ao que consta no Termo de Rescisão Contratual, sob pena de não homologação pelo Judiciário. Sugere-se, assim, que as partes negociem o parcelamento das verbas rescisórias, multa de 40% do FGTS e multa do artigo 477 da CLT (que equivale a 01 salário base do trabalhor).

Para melhor explorar este tema, vale destacar o que reza o artigo 486 da CLT:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei no 1.530, de 26.12.1951)

§ 1o - Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria. (Incluído pelo Decreto-lei no 6.110, de 16.12.1943)

§ 2o - Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação. (Redação dada pela Lei no 1.530, de 26.12.1951) § 3o - Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar-se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos previstos no processo comum. (Incluído pela Lei no 1.530, de 26.12.1951)

Em que pese o artigo não especifique o que seria a indenização, tem-se a ressaltar que trata-se do valor atinente ao 40% do FGTS, sendo que as demais verbas rescisórias deverão ser pagas pelo empregador. Há algumas discussões na jurisprudência quanto à inclusão do Aviso Prévio Indenizado no conceito de indenização descrita no artigo supracitado (já que trata-se claramente de verba indenizatória), porém, não há pacificação do assunto.

 

2- DO FATO DO PRÍNCIPE. ARTIGO 486 DA CLT;

Destarte, em tese, uma vez demonstrada a paralisação parcial ou definitiva do trabalho com o encerramento da atividade, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei que impeça que a atividade seja exercida, o empregador poderá rescindir o contrato de trabalho por motivo de força maior, ficando desobrigado ao recolhimento da multa fundiária de 40%, sendo que esta, ficará à encargo do governo responsável. Ou seja, as demais verbas deverão ser pagas pelo empregador, exceto se sobrevier Medida Provisória discutindo e delimitando o cerne da questão, o que se acredita que ocorra nos próximos dias.

page3image178063424Ressalta-se, neste espeque, que caberá à empresa provar que o encerramento da atividade deu-se em decorrência da paralisação provocada pela pandemia.

Com certeza haverá muita discussão acerca da paralisação temporária da empresa, uma vez que caberá à parte que arguir tal instituto e comprovar de que a proibição de suas atividades no período indicado pelo decreto causou séria crise financeira que a impediu de cumprir suas obrigações trabalhistas e de continuar alguma atividade explorada pela empresa. Ocorre, que tudo é discutível, uma vez que, por exemplo, a empresa terá que provar que deixou de comercializar tal produto a partir de 23.03.2020, até o final da pandemia, e que por conta dessa não comercialização, não teve rendimentos suficientes para cumprir as obrigações legais. Não bastará tão somente qualquer alegação.

Outrossim, consubstanciado no artigo supracitado, entende-se aplicável o Fato do Príncipe disposto no artigo 486 da CLT, principalmente às Micro empresas, ou EPP, que tiveram paralisação TOTAL das atividades, ensejando na ruptura dos contratos de trabalho, respeitando-se os decretos que indicam, expressamente, quais as atividades que podem ou não funcionar, e, ainda, destacando que caberá às empresas o ônus da prova sempre que alegarem o instituto em defesa, fazendo-se o chamamento do responsável municipal, estadual ou federal, que terá prazo para manifestar-se.

Contudo, vale destacar que, embora a tese tenha respaldo no artigo 486 da CLT, em vista da pandemia do Corona vírus ser fato totalmente inusitado em todo o planeta, há que se ressaltar que tal tese pode ou não ser aceita pelo Judiciário, uma vez que não há jurisprudência com relação ao assunto, razão pela qual há risco de improcedência da ação e sucumbência.

3) ARTIGOS 501 e 502 DA CLT – FORÇA MAIOR.

Há uma terceira alternativa que poderá ser aplicável no caso de rescisão de contrato de trabalho devido à força maior (pandemia – COVID 19), a qual encontra respaldo nos artigos 501 e 502 da CLT:

Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1o - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2o - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:
I - Sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;

II - Não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;
III - Havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.

Assim, no caso de demissão de colaborador estável, este receberá uma indenização na forma dos Artigos 477 e 478 da CLT, pena bem inferior à aplicada normalmente.

Já para àqueles casos em que o empregado não possua estabilidade, será devida somente metade da multa fundiária, ou seja, o empregador não recolherá os 40% à título de multa do FGTS, mas sim, apenas 20%, conforme § 2o do artigo 9o do Decreto 99.684, de 08.11.1990.

Vale salientar que o ônus da prova é da empresa que realizar a rescisão contratual por força maior, devendo, portanto, nos termos o § 2o do artigo 501 da CLT, comprovar que a pandemia afetou substancialmente a empresa, ensejando em total crise financeira que culminou na extinção da empresa, e, consequentemente, lhe obrigou à rescindir os contratos de trabalho.

Texto por Juliana Cristina Soares das Chagas, sócia responsável pela área Trabalhista do escritório Ferri Bernardino Advogados, Pós Graduada em Advocacia Empresarial pela Faculdade Metrocamp, Pós Graduada em Processo Civil pela Escola Paulista da Magistratura, Pós graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela universidade Mackenzie; Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Campinas; Membro da Comissão de Direito das Pessoas com deficiência da OAB Campinas.